APRESENTAÇÃO:
Este é a segunda parte de um texto que procura abarcar a colonização de gaúchos no norte do Mato Grosso à partir da década de 1970. O enfoque desta parte é o contexto sócio-econômico que levou ao estimulo à migração destes grupos populacionais ao Centro-Oeste, ou seja, as transformações posteriores à instalação do regime ditatorial militar em 1964. A terceira e última parte aborda, a partir da discussão sobre os diferentes tipos de colonização e seus resultados, a instalação dos migrantes no norte do Mato Grosso e a conseqüente expressiva expansão da agricultura sobre a Amazônia Legal a partir de então.
INTRODUÇÃO:
O presente trabalho pretende discutir a migração de trabalhadores gaúchos do noroeste do Rio Grande do Sul para o sul da Amazônia Legal, principalmente norte do Mato Grosso, à partir da década de 1970, durante o Governo Militar. Para tanto é importante que se faça uma contextualização da origem destes grupos migrantes no Rio Grande do Sul, no século XIX, que eram na maioria, italianos e alemães.
Em seguida, se fará um panorama das políticas governamentais para a colonização de terras, mais especificamente nas fronteiras agrícolas estratégicas da Amazônia Legal, e a passagem da concessão de colonização para cooperativas.
Através de depoimentos de migrantes, familiares e profissionais que trabalham nesta área, e da bibliografia especializada, se discutirão as condições de vida dos trabalhadores na região de origem, o noroeste do Rio Grande do Sul, os motivos de seu deslocamento, bem como a descrição do caminho que percorreram, e em último momento, as condições de vida na região a que se destinaram. Não se pode prescindir da discussão à respeito da ocupação do espaço, e o encontro com a população local preexistente.
A pesquisa de campo na Amazônia Legal foi feita em cidades do estado do Mato Grosso. É importante comparar a instalação dos gaúchos em uma cidade que está ao sul da Amazônia Legal, que é Primavera do Leste, com o caso das cidades ao norte: Sinop, Lucas do Rio Verde e Sorriso. Há diferenças políticas e geográficas nas ocupações destas regiões. O estudo da colonização da Amazônia Legal por sulistas foi dividido em três categorias, tais como esta ocorreu: a colonização oficial do INCRA, a colonização por parte de cooperativas e a colonização independente. Os três tipos apresentam realidades diferentes quando ao nível de renda dos migrantes, e as condições de instalação. Para avaliar as singularidades, foi necessária uma ampla coleta de depoimentos, e o estudo da bibliografia sobre cada município visitado.
Parte I: A questão agrária no Rio Grande do Sul
(publicado na edição nº 23 de Klepsidra - clique aqui para acessá-la)
Parte II: A Política de Ocupação das Fronteiras Amazônicas
1. O Projeto de Ocupação do Oeste antes do Governo Militar
Na década de 1930, como parte do programa de colonização, e ocupação dos vazios demográficos do país, estabeleceu-se a chamada “Marcha para o Oeste”: foi fundada Goiânia (1933), capital de Goiás, e diversos órgãos governamentais foram criados por Getúlio Vargas, para a colonização, como o “Departamento Nacional de Povoamento” [1] que orientava as correntes migratórias e redistribuía terras públicas.
Em 1943, foram estabelecidos os Territórios Federais do Amapá, Rio Branco, Guaporé, Ponta-Porã e Iguaçú. A Constituição de 1946 estabeleceu as regras de execução do Plano de Valorização Econômica da Amazônia. A lei dava direito aos posseiros que já viviam ali, de permanecer em terras de até 25 hectares. Em 1953, Getúlio Vargas sancionou a lei nº 1806, que definia os objetivos principais do plano. Segundo Muller e Cardoso[2], para a execução desse plano, foi criada a SPVEA: Superintendência do Plano de Valorização da Amazônia para “proceder à seleção de espaços econômicos mais propícios ao desenvolvimento, onde pudessem estabelecer-se pólos de crescimento cujos efeitos se irradiassem por uma área maior.” Estes projetos faziam parte da política varguista de substituir o excesso de imigrantes europeus nas colônias, por nacionais.
Divisão territorial brasileira em 1943.
Fonte: frigoletto.com.br
O Governo de Juscelino Kubitschek também incentivou muito a colonização pela forte pressão por terras no campo, sobretudo no Nordeste. A criação de Brasília seria um importante pólo atrativo de migrantes. João Goulart, presidente à partir de 1961, incentivou o debate acerca das “reformas de base”[3], para uma revisão e modernização do regime de propriedade agrária. Era um momento em que a luta social no campo tomava um caráter político, em torno da Reforma Agrária, que por sua vez coincidia com a intensa industrialização nas décadas de 1950 e 1960. A polarização do debate, e justamente a sua emergência fez com que o regime militar atentasse para as possibilidades de aumento de poder das classes subalternas, o que o fez deixar a Reforma Agrária para segundo plano, dando ênfase à abertura de grandes projetos colonizadores nas fronteiras do oeste, desta maneira submetendo aquela população ao controle do Estado. Em 27 de outubro de 1966, a SPVEA foi substituída pela SUDAM: Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia, de acordo com a Lei nº 5173.
2. Estratégias Geopolíticas Brasileiras
“Estejamos certos de que defender a Liberdade é também (graças aos céus) alicerçar em sólidas bases a Segurança Nacional.”[4]
O autor desta frase, o general Golbery do Couto e Silva foi um estrategista militar brasileiro que escreveu o livro Geopolítica do Brasil, em 1955. Neste, são estabelecidas tipologias geográficas de pólos estratégicos brasileiros, e discutidas, com base em preceitos geopolíticos internacionais, as maneiras pelas quais o país devia se defender de possíveis invasões de estrangeiros, comunistas e “homens sem lei”.
Golbery do Couto e Silva com o então
presidente Emilio Médici.
Fonte: Gaspari, E. A ditadura encurralada.
O tratado de Golbery serviria posteriormente como paradigma da organização geopolítica do Governo Emílio Médici, à partir de 1970, para a colonização da Amazônia: “No arco a noroeste distendido, de Corumbá – ou mesmo mais ao sul – até a comarca distante do Amapá, pelos territórios do Guaporé (Rondônia) e do Acre, todo o ocidente amazônico do Juruá, do Javari, do Japurá e do Uaupés, Rio Branco e a província guianense, sucedem-se as “marcas” semi-desertas, instáveis ainda, quase de todo abandonadas, abertas a penetrações de grupos sem bandeira definida e a correrias de nômades sem lei e onde, em torno de um arremedo de organização política pouco adequado, e um rudimentar sistema de guarnições militares tão esparsas como débeis, se cristalizam nódulos de população ativa, desprevenidos inteiramente do grande, do enorme, do vital papel que de fato lhes incumbe, e incumbirá por longo tempo, de colônias de povoamento pioneiro mas, igualmente, de postos dinâmicos e agrestes de defesa.”[5]
"(...) garantir a presença física brasileira numa região despovoada, e com isso consolidar a integridade do território nacional. Era este o pensamento da época, afirma o general Danilo Venturini que na década de 70 pertencia ao Conselho de Segurança Nacional, e foi um dos idealizadores das colonizações das terras do norte brasileiro.”[6]
Golbery convenceu Médici, como parte da estrtégia político-econômica, a afastar-se dos Estados Unidos, seguindo a idéia daquele, de que o Brasil tinha autonomia suficiente para caminhar sozinho economicamente.
O “mestre” propunha a dinamização de postos militares na Amazônia. Cuiabá, Guaporé, Paraguai e Bolívia fariam a “soldadura” entre o Brasil amazônico e o Brasil platino. O centro geopolítico amazônico era o triangulo Belém-Amapá-Santarém. Faziam parte do mesmo eixo: a Grã-Colombia enquadrada por Peru e Guianas. As regiões de “soldadura” explicavam o porque das grandes empresas se instalarem na região centro-oeste do país, pois teoricamente, era onde a logística e as comunicações estariam mais centralizadas. Golbery alertava para que esta região nunca fosse menosprezada.
O livro Geopolítica do Brasil estabelecia diretrizes: “1ª Fase - articular firmemente a base ecumênica da nossa projeção continental, ligando o Nordeste e o Sul ao núcleo central do país, ao mesmo passo que garantir a inviolabilidade da vasta extensão do interior pelo tamponamento eficaz das possíveis vias de penetração. 2ª Fase- impulsionar o avanço para noroeste da onda colonizadora, à partir da plataforma central, de modo a integrar a península centro-oeste no todo ecumênico brasileiro. 3ª fase- inundar de civilização a Hiléia amazônica, a coberto de nódulos fronteiriços, partindo de uma base avançada constituída no Centro-Oeste, em ação coordenada com a progressão E-O, seguindo o eixo do grande rio.”[7] Note-se que Golbery dizia, “inundar de civilização”, o que significava que não era qualquer pessoa que podia ser mandada para lá, sendo importante que os colonos viessem de áreas economicamente desenvolvidas do Brasil. Além disso, Golbery pretendia ligar o Nordeste e o Sul ao núcleo central do país: pretendendo literalmente deslocar nordestinos e sulistas para o centro-oeste.
Observando a geopolítica brasileira, o cientista político mexicano, Pedro Fernando Castro Martínez, sustenta uma tese muitas vezes fugidia aos olhos dos brasileiros, de que o Brasil tinha um projeto hegemônico na América Latina. “As políticas latino-americanas de “desenvolvimento e segurança” nos anos 1960 vêm do Pentágono e escolas norte-americanas de guerra.”[8] Este modelo, por sua vez, foi imitado pelos outros países latino-americanos, que passaram a viver em tensão de forças.
Depois de 1960 os americanos começaram a armar o Exército brasileiro para “proteger” o Governo brasileiro do poder dos comunistas. O Golpe Militar de 1964, foi bem visto pelo Estado norte-americano. No começo da década de 1970, no entanto, Nixon deparou-se com um panorama sombrio para o governo americano: a emergência de governos populistas interessados em aumentar a autonomia nacional. Isto afastou os dois países politicamente.
3. O Estatuto da Terra e seus Desdobramentos
Sob pretexto de fazer Reforma Agrária, o Governo Castelo-Branco, aprovou o Estatuto da Terra, ao mesmo tempo em que apoiava as grandes empresas rurais como legítimas na exploração da terra.
O Estatuto[9] enfatizava a necessidade de Reforma Agrária, pela precariedade do meio rural, e pela tendência mundial: todos os países desenvolvidos já haviam feito-a.
As soluções propostas eram: o equilíbrio das migrações campo cidade, através de criação de mais empregos na cidade, e ampliação das fronteiras agrícolas. Donde se conclui que, se as migrações fossem inter-meios rurais, elas seriam consideradas positivas pelo governo; não existia projeto de manutenção dos trabalhadores em suas terras. Discutia-se a mercantilização da terra, e os latifúndios improdutivos que eram apenas mantidos para fins especulativos.
O Governo comprometeu-se com o incentivo à formação de cooperativas e políticas agrárias. Necessariamente, as terras devolutas tinham que ser distribuídas sob forma de propriedade familiar, o que significava que os filhos dos pequenos proprietários que tiveram que deixar sua família para trabalhar sós, não estavam incluídos no programa de reforma agrária, e tinham que fazer o investimento inicial por conta própria.
Os órgãos regionais, como a SUDENE, deveriam dotar 20% de sua verba para os projetos de colonização. O Governo se responsabilizaria pela seleção dos trabalhadores que iriam para as fronteiras agrícolas, podendo encarregar-se de seu transporte, recepção, hospedagem e encaminhamento, até a sua colocação e integração nos respectivos núcleos.
As áreas colonizadas seriam próximas de centros urbanos, para facilitar a comunicação e transporte; próximas de estradas, para ampliar as fronteiras econômicas; em regiões ocupadas por estrangeiros, sob a alegação de gerar interculturalidade; veladamente, o objetivo era afastar esses estrangeiros.
Os objetivos institucionais do Estatuto da Terra eram: integração e progresso do parceleiro, manutenção dos recursos naturais, e aumento da produtividade. Mais uma vez é propagandizada uma forma ideal de vida, quando é claro que os objetivos do governo eram a extração, e não a manutenção dos recursos naturais, e o uso de mão de obra barata para o Projeto de Integração Nacional, sobre o qual se discutirá mais adiante.
Pretendia-se a organização de colônias militares, nas fronteiras.
O Ministério da Agricultura incentivava os projetos particulares, desde que abrissem estradas, fizessem a limpeza da mata, dessem condições médicas para os colonos, fomentassem a agricultura de produtos já tradicionais da área, e que estivessem com documentação em dia. Os lotes deveriam ter núcleos de organização, e os parceleiros eram obrigados a associar-se em cooperativas. As moradias poderiam situar-se nas parcelas ou nas cidades. Os parceleiros que não explorassem seus lotes, ou os dividissem, os perderiam. Ficariam isentos de impostos sobre imóveis, por 5 anos os compradores dos lotes. O custo operacional do núcleo de colonização seria transferido aos parceleiros, nunca depois de 5 anos.
É inegável que o documento é ambíguo, pois serve tanto aos camponeses em luta pela terra, quando às grandes empresas, inclusive estrangeiras. O que indica que o Estatuto não teve valor de fato nos critérios da política de propriedade agrícola do Governo Militar.
Em 1º de janeiro 1965, a Emenda Constitucional nº 18[10], favoreceu a Amazônia, com incentivos fiscais e créditos, antes aplicados ao Nordeste.
O Pró-Terra: Programa de Redistribuição de Terras e de Estímulo à Agroindústria do norte e nordeste (1971-78), tinha como principais objetivos: criar condições de emprego no campo, fomentar as agro-indústrias nas regiões de atuação da SUDAM e da SUDENE, dando crédito agrícola, financiar o plantio de forrageiras (pasto), alimento, fibras, e criação de animais. Os órgãos atendiam a projetos de colonização particulares, faziam empréstimos fundiários, financiavam a agroindústria e davam assistência técnica à modernização das propriedades rurais através do BASA e do Banco do Brasil. Estabeleceu-se a regra de indenização prévia das terras desapropriadas.
Pode-se observar uma mudança de política agrária, com relação ao Estatuto da Terra, que tinha um plano mais teórico e até utópico, visto que não foi implantado; o Pró-Terra voltava-se para a empresa particular, em concordância com o projeto desenvolvimentista do governo.
O Programa de Integração Nacional, tinha um projeto de desenvolvimento agro-industrial no Nordeste, e de “criação de alternativas para os contingentes populacionais inabsorvíveis pela economia rural da região, através da realização de programas de colonização e irrigação, a serem implantados nos espaços vazios do Planalto Central e no Norte-Nordeste, ou nos vales úmidos do próprio Nordeste.”[11] Planejava-se deslocar sua rota do centro-sul, para a região da Transamazônica (BR-320).
O documento do INCRA: A Colonização no Brasil - Situação Atual, Projeção e Tendências em Rondônia[12], aponta a preocupação do Governo de regularizar as ocupações do antigo Território Federal de Guaporé, então Território Federal de Rondônia, constituído de áreas desmembradas do Mato Grosso e Amazonas.
Identificam-se seus 240.000 Km² como terra muito fértil e rica em minerais, que levou à uma corrida desorganizada de grupos interessados do centro-sul, principalmente depois da abertura de estradas federais no território. Seus objetivos eram: a extração de borracha, castanha, a agro-pecuária e especulação, em função dos incentivos fiscais para a Amazônia Legal, o fluxo migratório foi muito rápido, e portanto, predatório, gerando conflitos com a população local, pois a ocupação das terras era desordenada.
O Governo então, começou a discriminar as terras devolutas, para acelerar a implantação dos projetos. O garimpo de cassiterita, que ocorria até 3 anos antes do projeto de forma predatória, foi freado pelo Governo.
4. O Governo Militar Olha para o Norte
“A colonização como política do Estado representa uma técnica social que utiliza meios de seleção social e de controle social, tanto dos homens como dos espaços, para reproduzir a dominação de classe sobre as populações rurais brasileiras.”[13]
As principais preocupações do governo Médici centraram-se no Nordeste, fonte de problemas crônicos, e na Amazônia, região até pouco tempo ignorada. Indústrias que se estabelecessem no Nordeste, seriam isentas de impostos, fato bastante criticado por não haver trazido beneficio à mão-de-obra. Um projeto da SUDAM no Maranhão falhou. A outra alternativa, era a construção da estrada Transamazônica e Cuiabá-Santarém, que abririam aquela região despovoada de terras férteis e baratas, sob promoção do Programa de Integração Nacional (PIN), que deveria colocar 70.000 famílias, irrigar 40.000 hectares no Nordeste entre 1972-74 e criar corredores de exportação no Nordeste[14]. O êxito do projeto significava a solução dos problemas de homens sem terra no Nordeste, e terra sem homens na Amazônia.
O projeto propunha uma ocupação gradual de espaços vazios e da descoberta de novos recursos (não havia plano para redistribuição de renda). A população nordestina seria desviada da rota do Centro-Sul para o Norte resolvendo o problema de super-população no Sudeste. Vinte anos após a proposta de Golbery de incentivar a migração dos nordestinos para o Centro-Sul, o Governo resolveu mudar de tática, pois esta região estava super-povoada. Os recursos financeiros foram desviados de programas de incentivo para o próprio Nordeste.
Para trazer recursos para o Nordeste, era preciso que a população do Centro-Sul abrisse mão de benefícios econômicos; e poucos estavam interessados em investir para obter pouco retorno. O I PND: Plano Nacional de Desenvolvimento (1972-74) estimulou a colonização de áreas longínquas da região amazônica. A abertura de frentes pioneiras no Norte e Centro-Oeste significava o investimento em terras por proprietários do Sul e Sudeste.
Outro motivo do deslocamento para a Amazônia, era o medo dos militares de perder o território por falta de colonização. Temiam as incursões de peruanos e venezuelanos, tanto dos movimentos de esquerda como daqueles interessados nas jazidas de ferro, agora conhecidas.
Houve muitas controvérsias sobre o controle internacional da Amazônia como o projeto Jarí, do bilionário americano Daniel Ludwig[15], que será abordado adiante.
Em 1978 o projeto Jarí trouxe uma fábrica de celulose e uma usina termo- elétrica montadas, de balsa, do Japão até a Amazônia. (www.jari.com.br)
Já que as terras do cerrado eram as que mais interessavam para a agricultura, a SUDAM circunscreveu o que seria a Amazônia Legal, além dos limites da região Norte[16].
No verso do mapa há uma explicação do projeto, com ênfase propagandística : “A Amazônia tem dono. Você é um deles” e “metade do Brasil quer metade do seu imposto de renda.” Ou seja, metade de todos os impostos de renda de todos os brasileiros seriam convertidos para o desenvolvimento da Amazônia.
Os estados e territórios que compõem a Amazônia Legal são: Acre, Amapá, Amazonas, Goiás (acima do paralelo 13º), Maranhão (oeste do meridiano de 44º), Mato Grosso (acima do paralelo 16º), Pará, Rondônia e Roraima. A aplicação econômica regional do território, como escrito no próprio mapa é: “projetos agropecuários, industriais e de serviços básicos.” O limite do incentivo (porcentagem sobre o imposto devido) é de 50% tanto para aplicação regional como para aplicação setorial na Amazônia.
Segundo a SUDAM, a área da Amazônia Legal é de 4.981.950 Km², o que representa 58,59% da área total brasileira.
Delfim Netto, então Ministro da
Fazenda. Fonte: Gaspari, E. A ditadura escancarada.
A construção da Transamazônica tinha grande valor simbólico, como Brasília tivera[17] (que foi o exemplo de desenvolvimentismo para Médici); além da sedução que era desbravar a mata para os militares, e a perspectiva de lucro que trazia às construtoras. Delfim Neto, ministro da Fazenda dizia com veemência que o solo amazônico era de terra-roxa, tão fértil quanto os do Centro-Sul; mas na verdade era exatamente o contrario: o solo é composto de laterita, contra-indicado para plantar[18].
Animadamente, Médici anunciava a uma população também entusiasmada com relação a isto, que na Amazônia cabia toda a população brasileira. A questão amazônica foi um exemplo de atuação ditatorial: ignoraram-se opiniões de agrônomos, geólogos e antropólogos, bem como o Congresso, que estava, em 1969 paralisado.
A situação de conflito no campo apenas piorava, pois o Governo Militar era extremamente repressivo, e aliava-se politicamente à burguesia para dominar a população rural.
Ernesto Geisel, natural do Rio Grande do Sul, presidente do Brasil entre 1975-1978, assumira a presidência da Petrobrás em 1969. Naquele momento, ele opunha-se ao programa do monopólio da produção de petróleo da petroquímica, “seguindo o ponto de vista castelista de que o papel econômico do Estado devia ser reduzido em favor da iniciativa privada.”[19] Este é um fator importante para entender-se o re-direcionamento da política colonizadora, do âmbito público para o privado.
Geisel aprovou o POLAMAZÔNIA: Programa de Pólos Agropecuários e Agrominerais da Amazônia, em setembro de 1974. Este era um programa de conjugação entre colonos, pequenos proprietários, empresas agrícolas pequenas, médias e grandes, e empresas colonizadoras. Tavares dos Santos avalia: “Numa perspectiva diferente, a orientação da política de colonização estava claramente enunciada: fazer projetos para pequenos e médios produtores, para empresas de colonização. Mas os projetos de pequenos agricultores deviam circunscrever-se ao Nordeste e a certas áreas do Centro-Oeste e da Amazônia. Também neste caso aparecem as exigências dos grandes empresários que (...) se propunham a assumir a colonização.”[20]
Médici e Geisel, além de seus ministros do Trabalho e Previdência Social: Arnaldo da Costa Prieto, e dos Transportes e Obras Públicas: o general Dirceu Nogueira, eram gaúchos; isto nos permite pensar que a prioridade aos gaúchos na expansão de fronteiras, não foi apenas por falta de terras ou por ser este um povo mais trabalhador e “competente” que o nordestino, mas porque seus olhares estavam realmente mais voltados para este estado.
Em 1975, o presidente enfatizou a “Distensão Lenta e Gradual”, com atitudes nada liberalizadoras, como defendia até então. “ A Igreja e a Ordem dos Advogados estavam entre os poucos que podiam efetivamente contestar os contínuos desmentidos do governo sobre a continuação da tortura e das arbitrariedades das forças de segurança. Em meados de setembro, as duas instituições voltavam à ofensiva, citando maus-tratos do governo aos índios e tortura de presos políticos.”[21]
“O governo Geisel começou com grandes esperanças na economia. O II Plano Nacional de Desenvolvimento (1975-1979), que optou por financiar grandes empreendimentos privados, nacionais e estrangeiros, fixava uma taxa de crescimento de 10% ano a ser alcançada mediante a mudança de ênfase sobre os bens de consumo duráveis para a de produtos industriais intermediários e bens de capital.”[22]. É importante lembrar que o projeto de colonização da fronteira amazônica foi apoiado pelos PND’s, mesmo que não se encaixasse economicamente no projeto, já que as atividades lá exercidas, eram principalmente a pecuária e a agricultura, até hoje. O INCRA aprovou a concessão de terras públicas com mais de 3000 hectares a particulares que tivessem projetos agropecuários.
O incentivo às cooperativas, mudou o tipo de migrante. A maior parte deles agora passou a ser do Sul e com condições um pouco melhores de vida, já que eram rigorosamente selecionados pelas cooperativas.
Em pouco tempo, o aumento do preço do petróleo em três vezes pela OPEP, tornou a situação econômica delicada. O projeto de Juscelino Kubitschek de construir estradas de chão pequenas, que até então era bem sucedido, começou a cair por terra devido ao preço do combustível. As possíveis soluções encontradas, foram a energia nuclear, e à álcool. De fato, foram abertas no Mato Grosso, usinas de destilação de mandioca para a produção de combustível, mas não foi uma produção muito significativa, de acordo com os relatos.
O governo do general Figueiredo também trazia esperanças com o III Plano Nacional de Desenvolvimento (1980-1986), que era um documento qualitativo, com poucos números. Referindo-se ao III PND (1980-85), o presidente Figueiredo: “quanto à região Centro-Oeste, declara que é prioritário o fortalecimento do estado do Mato Grosso pela situação de localização próxima à capital federal, e porque representa potencialidades de ocupação do solo para desenvolvimento agropecuário”[23]
A ênfase ainda era dada à colonização por cooperativas do Sul, que continuariam seus projetos na Amazônia, pois assim, o Governo, cujas contas eram muito deficitárias nesta época, não precisaria investir diretamente, repassando os gastos às cooperativas colonizadoras particulares.
Os principais problemas do Governo eram: crise de energia, balanço de pagamentos deficitário, o crescimento da dívida externa, e a inflação. A conclusão era de que o Brasil poderia continuar seu processo de crescimento, contendo a inflação. Baseava-se nos planos anteriores, de 1968 a 1974, quando combinava altas taxas de crescimento com queda de inflação. “O resto do plano enfatizava o aumento da produção agrícola como fator essencial para reduzir a inflação e expandir as exportações. A indústria, em compensação, era contemplada apenas com duas páginas sem muitas especificações.”[24] O plano não teve tanto êxito quanto pretendido; realmente fora o PIB mais alto desde 1976 (6,8%), mas a inflação dobrou em um ano, o déficit da balança cresceu em 1,4%., e o ingresso de capital estrangeiro caiu em 1,5%. A solução seria reduzir as reservas cambiais.
Em 1982, o III PND viu-se colapsado. O Brasil não podia escolher ou recusar a recessão, como afirmara Delfim Neto. A crise estava atrelada às crises do petróleo de 1974 e 1979, e à ascensão dos juros do eurodólar, de 8,7% em 1978, para 17% em 1981. As metas anunciadas pelo governo passaram a ser vistas com desprezo pela população.
O governo Figueiredo assinou uma carta de intenções com o FMI em janeiro de 1983, devendo: “reduzir a taxa de expansão da base monetária, apertar o crédito, diminuir o déficit do setor público, fazer desvalorizações mais frequentes, eliminar subsídios e restringir aumentos salariais.”[25] Isto explica a supressão do crédito rural e subsídios durante a década de 1980, que fez com que os migrantes que se instalaram na Amazônia Legal neste segundo momento tivessem muito mais dificuldade, do que os que o fizeram na década de 1970, como os relatos mostrarão mais adiante.
Referência: Larissa Kashina Rebello da Silva
Bacharel e Licenciada em História pela USP.
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